1 de agosto de 2007

Chile abre o caminho para a América Latina

Financial Times - 13/12/2006
Autor: Martin Wolf (Tradução: George El Khouri Andolfato)

A morte de Augusto Pinochet e a saúde debilitada de Fidel Castro marcam o fim de uma era para a América Latina. Nós devemos olhar para trás para os revolucionários barbados e déspotas militares, para o fervor ideológico e sonhos utópicos, sem pesar. Apesar do recrudescente populismo de Hugo Chávez na Venezuela e de Evo Morales na Bolívia, um estilo mais sóbrio de política democrática está se consolidando na região.

Este é o tema do fascinante livro de Javier Santiso, vice-diretor do centro de desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.* "Desde sua independência", ele argumenta, "uma das principais dependências da América Latina era sua crença em milagres: os milagres forjados pelos mágicos marxistas e de livre mercado, revolucionários e contra-revolucionários, com base de que algumas grandes teorias e paradigmas". Em vez disso, há "um movimento dual de reformas econômicas e uma transição à democracia", um movimento para "a política econômica do possível".

Em suas linhas gerais, a história de Santiso é convincente. A reforma econômica - uma medida que visa uma maior dependência do mercado - já se espalhou, de forma intermitente, pela região. Erros imensos foram cometidos. Mas apenas o presidente Chávez, fortalecido pela riqueza derivada dos poços de petróleo, se sente livre para ignorar completamente a racionalidade econômica.

Também é notável a transição para uma democracia relativamente estável na região. A América Latina há muito era uma região de instabilidade política excepcional, o que significava mudanças não de governo, mas de regimes. Mas nas duas últimas décadas, transferências de poder democráticas ordeiras se tornaram a norma. Desde 1983, nota Santiso, "nenhum presidente latino-americano foi removido à força do cargo por insurreição militar".

Quando o poder foi encerrado prematuramente, foi após protestos em massa, escândalos de corrupção ou processos judiciais. As democracias da região são freqüentemente desordeiras. Mas ainda são democracias.

Para os socialistas ocidentais românticos e populistas latino-americanos, Fidel Castro continua sendo uma figura carismática, amado por sua bravata antiamericana. Mas isto diz mais sobre a psicologia destas pessoas do que sobre qualquer outra coisa. Ele é um fóssil. É improvável que seu regime sobreviva após ele. Nem deve: sua ditadura tem sido brutal, responsável pela morte de milhares de oponentes nos primeiros anos e pela prisão sem julgamento de outros milhares. Também é um fracasso econômico. Isto se deve em parte ao embargo americano - mas é uma desculpa apenas parcial. Mesmo assim, tal embargo é idiota. Seu único valor tem sido mostrar a ineficácia de sanções em quase todas as circunstâncias.

Pinochet também foi um tirano brutal, responsável pelas mortes de milhares e aprisionamento e tortura de outras dezenas de milhares sem julgamento. Mas entre a lista de países que obtiveram sucesso na lista de 'possibilidade' de Santiso, o Chile fica no topo. Alguns - ocasionalmente o próprio Santiso - gostariam de fingir que isto não tem nada a ver com o regime de Pinochet. Mas, goste ou não, este reacionário brutal e corrupto lançou, por motivos que não são claros, as reformas que estabeleceram a fundação para o sucessos atuais de seu país. Mais surpreendentemente, quando ele perdeu um referendo em 1988, ele deixou o poder. Castro não seguiu este exemplo.

O caminho econômico do Chile está longe de ter sido tranqüilo. Após a monstruosa inflação do início dos anos 70 e a queda da renda per capita, que foram as causas econômicas para o golpe, uma forte recuperação se seguiu. Isto então terminou em crise financeira em 1982. A crise chilena dos anos 80 foi um molde para a crise "Tequila" de 1995, que começou no México, e para a crise financeira asiática de 1997-98. Como argumentou o chileno Sebastian Edwards, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, a combinação de um sistema financeiro desregulado com uma taxa de câmbio atrelada e salários indexados foi desastrosa.** A experiência ofereceu muitas lições, nenhuma aprendida em lugar nenhum até ser tarde demais.

A exceção de tal regra deprimente foi o próprio Chile, onde um movimento renovado, só que mais pragmático, na direção do mercado, escorado por melhorias na qualidade institucional, tornou a economia a estrela da região. O produto interno bruto per capita do país em termos de paridade de poder de compra está atualmente muito acima dos da Argentina, Brasil e México (ver quadro). Entre 1985 e 2005, o PIB per capita do Chile aumentou de 24% para 40% do nível americano, tornando este país uma exceção em comparação ao retrospecto geral da região de relativo declínio. O aumento na renda real per capita entre 1975 e 2005 foi de 181%. Uma transição suave para a democracia e políticas responsáveis por políticos eleitos consolidaram este sucesso.

O resultado do Chile foi construído a partir de políticas sensíveis voltadas ao mercado e boas instituições. Segundo os indicadores de governabilidade do Banco Mundial, o Chile está bem à frente de outros países latino-americanos na qualidade de suas instituições políticas, legais e regulatórias (ver quadro). De forma semelhante, o relatório Doing Business 2007 do Banco Mundial coloca o Chile em 28º lugar, em termos de facilidade para realização de negócios, em comparação ao 43º lugar do México, 101º da Argentina, e 121º do Brasil. A Moody's classifica a dívida chilena em A2. A do México está e Baa1.

A era dos déspostas acabou. Mas os sucessos da democracia não estão garantidos. No final, a estabilidade democrática depende de amplo sucesso econômico, o que até o momento tem sido muito raro. Os países latino-americanos permanecem muito vulneráveis aos caprichos dos commodities mundiais e dos mercados financeiros. As desigualdades econômicas e sociais internas continuam profundas. A ascensão da China tem sido uma dádiva para os exportadores de commodities, mas também espreme a manufatura de baixa e média tecnologia da região entre a manufatura barata asiática e a de alta tecnologia dos países avançados.

Em resposta, a América Latina deve melhorar as instituições, tornar os mercados mais flexíveis, melhorar o ensino, construir capacidade tecnológica e disseminar os benefícios do crescimento. Os Estados Unidos não podem fornecer um modelo institucional como o que a União Européia fornece aos países candidatos ao ingresso. Mas podem deixar os países latino-americanos livres para fazer suas próprias experiências. Mas eles têm no Chile contemporâneo algo precioso: um bom exemplo.

* Latin America's Political Economy of the Possible: Beyond Good Revolutionaries and Free-Marketeers, MIT Press, 2006;

** Stabilization with Liberalization, Economic Development and Cultural Change, janeiro de 1985

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