30 de julho de 2007

O TSE e o Avestruz

13 de septiembre de 2003

Por Marcos Nobre, professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

EM UMA CAMPANHA eleitoral que fala de tudo menos do que realmente importa, a novidade ficou por conta das diversas campanhas pelo voto nulo. Não importa quantos serão os votos nulos em 1º de outubro: os "nulistas" foram os únicos a conseguir chacoalhar o panorama modorrento das eleições.

A resposta institucional tem sido até agora a mais antidemocrática possível. O ministro Marco Aurélio de Mello, por exemplo, afirmou que "voto nulo é um erro. É o avestruz que enfia a cabeça no buraco durante a tempestade". Ao desqualificar uma posição legítima no debate democrático, o ministro não percebe que os movimentos pelo voto nulo são uma resposta às atitudes de avestruz de instituições como a que ele preside.

O "nulismo" é uma resposta desesperada a um sistema político cego aos problemas que tem de enfrentar e não enfrenta. O desespero do voto nulo e a cegueira das instituições são dois lados da mesma moeda. Um não existe sem o outro. Para desfazer esse abraço de afogados é preciso mais democracia, nunca menos. É preciso que a posição dos que pretendem anular o voto seja aceita como legítima e debatida a sério. E é preciso também que os "nulistas" se disponham efetivamente a debater. Mais democracia exige, por exemplo, que o ministro Marco Aurélio de Mello e o TSE parem de fazer campanha contra o voto nulo. Não cabe à Justiça Eleitoral estabelecer de antemão os limites da discussão pública entre os cidadãos. Aliás, não foi apenas no caso do voto nulo que a Justiça Eleitoral exorbitou suas funções. A propaganda institucional carrega concepções lamentáveis do que seja democracia. Ao dizer que o eleitor é o "patrão", iguala a política ao mercado, como se eleições se destinassem a produzir contratos de trabalho, como se a democracia fosse um problema de oferta e demanda de servidores públicos.

O que o "nulismo" ataca é justamente a base da propaganda desastrada da Justiça Eleitoral: a idéia de que "o Brasil está nas suas mãos". É esse o real problema: parcela significativa da população tem certeza de que o Brasil não está nas suas mãos. E o sistema político tem sido até agora incapaz de dar resposta a esse desafio que o "nulismo" explicita, mas que vai além dele. Mas também os "nulistas" têm se acomodado numa posição de mera recusa. Transformaram a cegueira institucional em razão suficiente para sua opção política nessas eleições. Quando muito, falam abstratamente em nome de uma democracia perfeita que lhes é negada, sem explicar por que e como anular o voto permitiria melhorar as instituições existentes. Também assim o debate se torna impossível. Enquanto a única contrapartida da cegueira institucional for o desespero, a democracia não avança, e a política fica rala.

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