30 de julho de 2007

Cartas de Brasilia

Jueves, 13 de Noviembre de 2003

De: Cnobre:
Para: AS

Li isso e não pude deixar de te mandar. É o editorial do Estado de hoje e reforça o que escrevi antes. A semente plantada pelo trabalho do qual você participou tem que estar germinando:

"Assim como se disse do discurso em que defendeu a integração militar da América do Sul, pode-se dizer do desabafo do ministro da Casa Civil, José Dirceu, sobre a sua cansativa luta contra as deficiências da máquina estatal, que mistura coisas verdadeiras com outras nem tanto. De um lado, a constatação de que o governo tem burocracia demais e eficiência de menos, o que exige "trabalhar cada vez mais para reformar o Estado". De outro, a frase: "Precisamos lembrar como encontramos a administração pública do Brasil."

A afirmação é duplamente contestável. Primeiro, porque sugere ter sido um descalabro a gestão do governo anterior. Isso é falso. Embora a modernização do aparelho federal tenha ficado aquém do que pretendia o presidente Fernando Henrique – até em razão das resistências corporativas estimuladas pelo PT –, ele não só tinha uma visão do problema mais avançada do que a do seu sucessor, como ainda lhe entregou um Estado menos arcaico do que recebera. Segundo, porque, qualquer que fosse a situação que o novo governo encontrou, quase sempre conseguiu piorá-la, antes de mais nada devido à sua obsessão em reinventar a roda. O corpanzil burocrático tornou-se ainda mais volumoso, com a proliferação de ministérios e secretarias inventados para mostrar "vontade política" de resolver problemas e, sobretudo, acomodar companheiros malsucedidos nas urnas. Diversos destes se revelaram tão incompetentes para administrar os seus setores quanto haviam sido para conquistar o eleitor.

Com atribuições não raro redundantes, resultado inevitável da hipertrofia do corpo burocrático, ficaram batendo cabeça e tentando passar rasteiras uns nos outros. Além de transformar o Executivo em um espécime pesado em excesso para se mover e trapalhão em excesso para achar o bom caminho, os recém-chegados promoveram o maior entra- e-sai nos níveis superiores e médios do aparato federal pelo menos desde o fim do regime militar, em 1985. Foi a apoteose do aparelhamento – a premiação daqueles cuja credencial mais luzidia é a carteirinha partidária, com o afastamento de administradores capacitados e experientes em navegar pela burocracia. No Brasil nunca faltaram governos marcados pelo nepotismo – hoje mesmo, o do Paraná de Roberto Requião é um escândalo. Já a marca do governo Lula é a do "nepetismo", a distribuição da massa disponível de cargos de confiança entre os quadros do PT e das siglas aliadas, com as conseqüências que se viu, por exemplo, no desfiguramento do outrora modelar Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro.

Outra característica que deve contribuir para o cansaço do ministro Dirceu é a baixa qualidade do processo decisório. O verdadeiro parto que foi o projeto sobre os transgênicos enviado semanas atrás ao Congresso e os graves defeitos congênitos do texto enfim dado à luz são apenas um tropeço entre muitos de um governo que lida mal com as próprias pernas. Mesmo quando um ministro ou o presidente identificam corretamente um problema a resolver, a forma de fazê-lo lembra muitas vezes a proverbial emenda pior que o soneto. Nesse sentido, a suspensão da aposentadoria aos jubilados com mais de 90 anos, enquanto não se recadastrassem, é um caso de manual. O Ministério da Previdência sabe que paga benefícios a pessoas já falecidas e quer acabar com essa fraude. Pois bem. De todas as formas concebíveis de enfrentar a questão, adotou a mais primitiva, com o típico vezo autoritário dos poderosos de turno de não parar para pensar no que o seu imaginário ovo de Colombo representaria para as pessoas de carne e osso.

O presidente Lula acaba de fazer a sua parte nessa seqüência de equívocos. O Congresso havia aprovado – com parecer favorável do Ministério da Educação – o repasse de recursos do Fundo para o Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental (Fundef) para instituições de ensino sem fins lucrativos que acolham alunos portadores de deficiência. Isso contraria pela base a emenda constitucional que criou o Fundef, exclusivo para a rede pública. Pois bem. Por não ter oferecido outra alternativa durante a tramitação da matéria, só restou ao presidente vetar a lei. Mas o fez de supetão – o ato caiu no Legislativo como um raio em céu azul – e, o que é pior, sob o antipático argumento de que a iniciativa comprometeria o ajuste fiscal. Até parlamentares do PT reagiram com indignação. Armada a encrenca, só então o presidente se lembrou de cobrar do ministro da Educação uma fórmula para os alunos excepcionais. O governo Lula precisa de uma urgente revisão."

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