Publicado no Estado de Sao Paulo em 09-08-2007
Autor: Leôncio Martins Rodrigues - cientista político, professor titular aposentado dos departamentos de ciência política da USP e da Unicamp.
"Especialista em partidos políticos e sindicalismo, publicou, entre outras obras, Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil, Quem É Quem na Constituinte e Mudanças na Classe Política Brasileira.
Entusiasmado com os bons resultados obtidos nas pesquisas de avaliação de seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu-se com o descontentamento causado pelo caos da aviação no Brasil e, logo em seguida, com as vaias que ouviu em diferentes partes do País. Na opinião do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, estudioso de partidos políticos e questões sindicais, o presidente ficou desnorteado e acabou revelando seu lado autoritário.
Na entrevista abaixo, em que analisa os acontecimentos políticos recentes, Leôncio também observa que aumenta nas camadas mais escolarizadas e bem informadas, especialmente nas Regiões Sul e Sudeste do País, um "estado de horror" em relação às incongruências de Lula e ao governo do PT.
Para o presidente, as pessoas que o vaiam estão brincando com a democracia. Como o senhor entendeu essa declaração de Lula?
Em primeiro lugar ela demonstra a dificuldade que tem para receber as críticas ao seu governo. Ele se encontrava muito seguro, assim como os petistas, em razão dos bons índices de aprovação ao seu governo, apontados pelas pesquisas de opinião pública. Mas o caos no sistema aéreo, o acidente da TAM, o episódio com o seu assessor Marco Aurélio Garcia, as vaias na abertura dos Jogos Pan-Americanos, tudo isso perturbou o presidente e revelou o seu lado autoritário - de quem não sabe receber vaias.
O que achou do fato de ele ter atribuído a autoria das vaias a empresários e banqueiros, que teriam ganho muito durante o governo dele?
Vejo isso como uma incrível confissão pública de que governou para os ricos. A classe média e a classe média alta são ingratas, segundo o presidente, porque foram as classes que se beneficiaram enormemente em seu governo. Por outro lado, ao admitir isso ele revelou uma vez mais o estado de perturbação em que se encontra após o acidente e as vaias que ouviu no Rio.
O senhor não considera uma atitude antidemocrática vaiar um presidente eleito com ampla maioria, com 61% dos votos válidos no segundo turno?
Não direi se é antidemocrática ou não. Mas vou lembrar que que a vaia só acontece nas democracias. Elas não acontecem nos regimes autoritários, onde as pessoas, embora tenham mais razões para vaiar, não o fazem, por medo. Também é bom lembrar que as vaias parecem mais aceitáveis quando uma pessoa que ocupa um cargo público se comporta mais como representante de um grupo político do que como administrador. A vaia é menos aceitável quando a autoridade aparece representando uma coletividade mais ampla, um país, um Estado.
É uma forma de protesto?
Sim. É uma forma de protesto daqueles que não têm outra forma para fazê-lo. É sempre uma manifestação coletiva, mais freqüente nas camadas mais baixas do que nas elites.
O presidente também se referiu às eleições, relembrando que terminaram em outubro. Deu a entender, mais uma vez, que a oposição busca ainda o terceiro turno.
Isso não tem sentido. Há um setor grande da população - representado especificamente por pessoas de nível de escolaridade mais alto e com informações sobre o que se passa no governo - que vem sendo tomado por um estado de horror diante do que vê. Refiro-me à situação dos aeroportos, às frases descabidas do presidente, aos erros de português, às incongruências, ao estilo com que ele governa. O acidente da TAM exacerbou esse horror - com as afirmações contraditórias que vieram a seguir, com a ministra dizendo que ia construir um aeroporto, como se ninguém soubesse que uma obra desse tipo demora pelo menos dez anos, e desdizendo logo em seguida. Percebo esse horror ao Lula e ao governo petista principalmente nas Regiões Sudeste e Sul do País. Ele aparece nas conversas, nas trocas de e-mails, na internet. As pessoas se perguntam: como que o Lula se deixa fotografar, numa hora dessas, com uma viola na mão? Esse horror não atinge, no entanto, as pessoas de escolaridade mais baixa, os setores que não têm internet.
E quanto à afirmação desafiadora do presidente Lula, de que ninguém no País sabe colocar mais gente na rua do que ele?
Nesse ponto o presidente não está totalmente equivocado. A classe média, as correntes políticas liberais democráticas sempre tiveram dificuldade para pôr gente na rua. Os partidos de esquerda têm mais capacidade de mobilização - assim como os fascistas, que também tinham partidos de massa. Esta capacidade não decorre do fato de terem mais trabalhadores com eles. Na verdade, os grupos que mais se mobilizam estão no interior do movimento estudantil - que é dominado pela esquerda. Os estudantes são mais disponíveis, porque freqüentemente não trabalham, não têm que sustentar família. Os estudantes se mobilizaram e derrubaram o governo Collor. Para os outros segmentos, especialmente a classe média, é preciso ocorrer uma grande comoção para decidirem ir às ruas. O PSDB, o antigo PFL e outros partidos próximos deles não têm capacidade de mobilização. São partidos eleitorais, não de militância como o PT, especialmente o PT da fase mais antiga.
Acredita que Lula pode puxar movimentos para a rua, se chamar?
Pode puxar a UNE, o Movimento dos Sem-Terra, uma parte do setor sindical... "
9 de agosto de 2007
''Vaia perturbou Lula e revelou lado autoritário''
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